Todos os bichos de Nê Sant’Anna
[setembro/outubro
de 2016]
Insight: 1984 OUTRA VEZ!
Peço perdão pela ausência desta coluna em
setembro. Aliás, em setembro eu fiz 50 anos.
Meio século! Pois é, “meninos eu vi” e participei
do movimento pelas Diretas Já em 1984 (no meu primeiro ano na UEL); acompanhei
a elaboração da Constituição Cidadã de 1988 e o Impeachment de Collor em 1992.
Só não imaginava assistir mais esse capítulo da História do Brasil que se
desenrola desde as manifestações de 2013 e ficou quase palpável nas eleições de
2014. Os que acompanham esta coluna certamente se recordarão da crônica “Como
descascar um abacaxi”, escrita no dia do segundo turno das eleições
presidenciais de 2014, na qual eu dizia que o país estava nu, com todos os
problemas escancarados para quem quisesse ou tivesse sensibilidade para ver.
Infelizmente a crônica foi “profética”.
Assistimos a um impeachment farsesco e canalha, no qual se perdeu a chance de
drenar as feridas e debater as raízes da corrupção sistêmica, há séculos
instaladas no poder, e de discutir o desenho do Estado brasileiro que a cada
dia se afasta mais dos traços delineados pela Constituição de 1988.
Passadas as eleições municipais de outubro e com
o apoio da grande mídia, 2/3 do povo brasileiro (trabalhadores, classe média e
pobres) é “eleito” o culpado das contas públicas, do custo Brasil etc. (entre
outros, com o falso argumento de que a Previdência está quebrada) e, mais uma
vez, será “convidado” a pagar as contas.
O slogan da campanha cínica promovida pelo
governo pós-impeachment “vamos tirar o Brasil do vermelho” é irônico – não pela
analogia ao PT (que, aliás, pisou na bola), mas pelo ato falho: vamos tirar o
pouco de direito social (garantido pela Constituição de 1988) do “sangue
vermelho comum” que corre nas veias dos 2/3 dos brasileiros, historicamente
excluídos pelo pretenso “sangue azul” que correria nas veias da politicagem
mafiosa, presente na maioria dos partidos políticos. Ou seja, o slogan
disfarça, mas não esconde a intenção do atual governo de subtrair direitos dos
segmentos sociais de “sangue vermelho” e, de quebra, ainda “acalma” as “outras
cores sanguíneas” – estas sim, sempre beneficiadas pelo Estado – sinalizando de
que não serão chamadas a pagar nenhuma conta.
É hora do “sangue vermelho”, que construiu e
constrói a riqueza dessa terra, dizer NÃO a reformas como a da previdência e de
defender os princípios de justiça social e cidadania conquistados pela
Constituição de 1988 por meio da democracia e do empenho de verdadeiros
estadistas, como Ulisses Guimarães, que em 1985 quando Tancredo morreu “abriu
mão” da presidência em prol da frágil democracia que brotava no Brasil
pós-terríveis anos de Ditadura militar. Mas, renúncia é coisa de estadista, não
de alpinistas do poder.
Reformas devem ser discutidas e referendadas
através de plebiscitos, não impostas goela abaixo da população por uma maioria
de políticos sem nenhuma representatividade e idoneidade junto ao povo,
infelizmente panorama no qual hoje se encontra o Brasil.
Provavelmente, nem que eu viva mais meio século,
verei um país plenamente justo, mas, enquanto estiver por aqui continuarei
lutando com o mesmo ânimo de 1984, quando a minha geração panfletava: “Eu quero
votar para presidente”!
De certa forma, esse “grito” em 2016 continua o
mesmo, pois a maioria dos brasileiros clama por novas eleições para presidente
e, independentemente de afinidades partidárias, grita “Fora Temer”. E, graças à
luta de várias gerações, ainda podemos gritar e caminhar outra vez pelas ruas e
praças, inspirados pela frase que disse lá atrás Ulisses Guimarães: “É
caminhando que se abre o caminho”.
Até novembro.
P.S.: Esta crônica é dedicada a Ulisses Guimarães que faria
100 anos e lutou pela Constituição cidadã alicerçada na liberdade, democracia,
garantia de direitos, inclusão e justiça social. Em homenagem a essa luta deixo
aqui dois links para vocês entenderem a farsa do déficit e o calote aos
direitos sociais que a reforma da previdência significa.
Pois é cara companheira Ne...menina, eu também vi...e me sinto também como naquela época de lutas, tb na casa dos cinquenta...rs, embora me sinta meio frágil com o passar do tempo e com a saúde um pouco abalada, ainda encontro forças para lutar, a meu modo, por justiça e democracia..."Fora Temer! Vamos caminhando e lutando...
ResponderExcluirA cronica é uma delicia de se ler, e mais ainda de sentir, alias, em todas elas,pois o que seria da leitura sem sentir. A citação de "1984" também se referindo a Orwell(por mim claro), nos remete ao sentimento de que a mídia nos impõe e passivamente aceitamos, "golpes", nos salários, aposentadorias, empregos, inflação, economia, etc.Dois governos sem autenticidade, de um lado eleito pelo voto direto e de outro um casamento com divórcio anunciado(pena que a partilha tenha sido litigiosa). Um beijo. amo vc
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