sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

COLUNA MÚLTIPLOS OLHARES



TODOS OS BICHOS DE NÊ SANT’ANNA

DEZEMBRO DE 2017


É Dezembro. Mais uma vez escrevo esta coluna Natalina! Mais uma vez conjugo o “verbo Esperançar”, desejo PAZ e um ANO NOVO melhor. Mais uma vez reflito sobre o nosso tempo em um poema...
Comecei esta coluna em 2011 e nela compartilhei sentimento, reflexões e textos de novos autores.
A partir de 2018 meus textos e os textos de novos autores serão publicados no Facebook, nas páginas Livro Nas Nuvens e Sociedade Amigos da Cultura de Iepê.
Compartilho nesta última coluna um livro digital, dois poemas e dois contos; agradeço a todos que a seguiram nesses anos e espero que continuem a acompanha-la em novo formato no Facebook.
Feliz Natal e um 2018 repleto de Esperança!

JERUSALÉM

Jerusalém,
Que bem ao mundo faria
Se suas ruas não reivindicassem.
Se em canteiros, que todos compartilhassem,
se transformassem.

Jerusalém,
Que lindo seria
Se você pudesse, nesse século,
Espalhar Esperança
Acolhendo em suas ruas
Uma cidade para toda humanidade.

Jerusalém,
Que lindo seria
Se seu solo fosse
Terra de todos,
Posse de ninguém.
Grandes canteiros
Em que a Cultura de Paz florescesse
E novos jardins semeassem.

Jerusalém,
Que lindo seria
Se símbolo da Paz a tornassem.

Jerusalém,
Desenho de jardim assim
Brotando em suas ruas
Podem até chamar de utopia
Mas que seria lindo, seria...






ENTÃO É NATAL...

Ele não nasceu
Em vestes de rei
De simplicidade e amor
Nasceu revestido,
Humilde menino.

Menino Jesus,
Desse mundo
Nunca foi o Seu Reino.





A ATRIZ

Inesperadamente a reencontrei no luxuoso banheiro feminino do restaurante. Fazia tempo ela não era convidada para grandes eventos.
O impactante banheiro era recoberto de espelhos, mármore, ornamentos dourados, e, luzes em profusão denunciavam o cuidado extremo com a limpeza do local. Procurei, em vão, algum resquício de mofo nos rejuntes das peças: tudo tão impecável, resistindo há décadas de construção.
Sem nenhuma necessidade, antes de encará-la naquele ambiente desconhecido, permaneci quase meia hora fechada em uma das cabines, obstinadamente tentando juntar coragem e encontrar alguma sujeira nos metais e no vaso sanitário branquíssimo.
Frustrada, me dirigi ao lavatório e percebi que estávamos sozinhas. Reparei, com prazer, que uma das lâmpadas ao redor do espelho onde ela retocava a maquiagem estava queimada e também nos traços daquele rosto, ainda interessantes. A atriz que havia lavado as mãos – sem manchas visíveis –, com movimentos elegantes e ajeitado os cabelos, começava a retocar o batom quando a discreta encarregada de manter o banheiro impecável substituiu a lâmpada.
A iluminação tem o poder de ressaltar e camuflar, brinca de esconde-esconde tanto nos palcos como ao longo da vida, à medida que os olhos vão percebendo menos detalhes e necessitando, cada dia mais, do artifício de luzes e lentes.
Enquanto a atriz terminava de retocar os lábios, todas as linhas que os marcavam pareciam gritar através daquele espelho fortemente iluminado. Enraivecida, observei seus olhos. O azul estava opaco, em uma tonalidade semelhante a do empoeirado vaso de murano esquecido ao lado de troféus e porta-retratos de familiares e amigos na estante do escritório. Não suportei mais a cena e sorri benevolente para ela.
            Assim que me virei para retornar ao salão do restaurante – felizmente à meia luz –, o espelho do luxuoso e petrificado banheiro não teve mais o sarcástico gosto de refletir, sem o conforto de certa penumbra, a imagem da atriz que ainda mora em mim.




SEM GÊNERO

            Fui criança sem afetos. Olhos estrábicos, muita banha, poucos amigos. Aprendi a barganhar muito cedo, ou melhor, compreendi que se quisesse alguma atenção teria de pagar por ela. A moeda podia ser pequenos favores, um ombro sempre pronto a acolher a dor alheia ou dinheiro mesmo, transformado em lanches, sorvetes, revistas em quadrinhos... Em casa valia o mesmo esquema; os braços de minha mãe ensaiaram, mas nunca, espontaneamente de fato, me aqueceram como acontecia com os outros irmãos. Eu me contentava com poucos abraços e sempre pagava por eles. As professoras nunca entenderam o motivo de meu choro com as ilustrações tão banais estampadas nos livros didáticos. Eu simplesmente molhava as páginas ao observar as gravuras de mães enternecidas afagando seus rebentos, ou crianças brincando sob alguma árvore.
            A sensação que essas ilustrações provocavam! Arrepios tão bons, de uma felicidade tão plena! E tão simples, e tão corriqueira, como se o ato de nascer já trouxesse certos direitos. Mas não trazia. Para alguns talvez, nunca para mim. De algum modo eu tinha que pagar. Por muitas décadas pensei ter encontrado a fórmula existencial perfeita e, ironicamente, a batizei de mais-valia emocional.
            Um centímetro de prazer é a medida para não enlouquecer ou matar. Comprei os meus; na adolescência vieram embalados em papelotes, garrafas, revistas pornográficas e viagens patrocinadas por mim à turma do colégio, que sempre dava um jeito de me excluir dos programas e gentilmente cortar minhas falas nas conversas. Aprendi e, na vida adulta, comecei a investir melhor. Obtive metros de prazer em sutis manipulações, inclusive recebendo prêmios de instituições dos mais variados segmentos. Mas nunca me iludi. Saía do meu bolso o metal barato de alguns troféus de gosto duvidoso, bem como as grossas alianças de ouro 24 quilates quando resolvi me casar. A mão que a recebeu ensaiou, mas nunca, espontaneamente, me aqueceu.
            Já dominava o jogo e por algum tempo o banquei, utilizando as moedas de barganha que tanto conhecia. Não sei precisar quando tudo perdeu a graça e se transformou num pesadelo. A traição já esperava, mas não abriria mão do meu centímetro de prazer. Desde a adolescência abracei a regra de nunca pagar duas vezes pelo mesmo fragmento de prazer e, naquele momento, até o cotidiano estava sufocante. Não partilharia bem nenhum; quem jogava era eu, quem dava os lances era eu, esse gozo ninguém roubaria.
            O assassinato perfeito me restituiria até a grossa aliança de ouro 24 quilates! Poderia planejá-lo de tal forma que ninguém sequer vislumbrasse a ocorrência de um crime. Por meses continuei a pagar pelo prazer que aquele planejamento me proporcionava. Nenhum incômodo conseguia me tirar daquele estado eufórico. Olhava as pessoas: reis, rainhas, cavalos, peões... E gozava intimamente. Então percebi que o investimento já se pagara e, em vez de assassinato, recorri a um vantajoso divórcio, recobrando até as alianças, que guardei classificando-as como mais uma categoria em minha vasta coleção de troféus.
            Meus centímetros de prazer estavam ficando mais difíceis de conseguir. A aprovação das pessoas já não produzia mais efeito algum. Os abraços que tanto persegui, ultimamente enjoavam. Resolvi não pagar por nada mais e não posso negar que a frustração mal disfarçada nos olhos dos pequenos chupins me proporcionou metros de prazer.
            Só continuei patrocinando minha mãe a uma distância protocolar, regra estabelecida desde a adolescência. Em sua última hora ela me chamou. Não tive escolha. Mal encostava ao lado de sua cama ela me puxou e me envolveu em seus braços. Acho que congelei e ela, me apertando mais, sussurrou: “você, desde criança, sempre fugindo de mim... Perdoe se eu não insisti”. Eu não disse nada, devolvi seu abraço, ela sorriu e mergulhou no tal abismo desconhecido que chamamos de morte.
            Não paguei nem participei do velório. Há dois dias caminho. Não persigo prazer, não planejo. Simplesmente caminho. Dois versículos ecoam em minha cabeça: “... E a graça de Deus se há manifestado...”, “... o dom gratuito de Deus é a vida eterna”...




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