Todos os bichos de Nê Sant’Anna
Este mês compartilho com vocês uma crônica que escrevi em janeiro, inspirada em fatos que me “caíram no colo” em outubro do ano passado.
COMO DESCASCAR UM
ABACAXI
Domingo do segundo turno das
eleições de 2014: Meu filho e a namorada olham para os abacaxis maduros na
fruteira com cobiça. Sugiro que descasquem o maior. Eles dão mil desculpas. Eu abro
uma gaveta e, munida da ferramenta ideal, descasco o abacaxi em, no máximo,
três minutos. Os dois se espantam e eu explico: “aprendi a técnica em uma
crônica do Paulo Mendes Campos”.
Deixo o abacaxi, nu e fatiado,
exposto em uma travessa e observo o Brasil se desnudando através dos
noticiários e das redes sociais. Todas as contradições e preconceitos viscerais
e seculares estão expostos e condimentados pelo clima de fim de campeonato que
acompanha as eleições. Minha avó Maria repetia um ditado popular “quando a
miséria bate à porta, o amor pula a janela”! Nada mais pertinente; em épocas de
crises ou mudanças, faz parte do ser humano procurar culpados, eleger heróis ou
bodes expiatórios, foi assim em centenas de momentos históricos, como a
perseguição aos judeus pela Alemanha Nazista, só para citar um exemplo.
Portanto, não estranhei nem um
pouco as enormes discussões, de ambos os lados, carregadas de preconceito e
aquele velho ódio que não ultrapassa a primeira rodada de barganhas “para o bem
do Brasil”. Lembrei-me de uma frase astuta de Lima Barreto, na qual ele pondera
que o diploma universitário veio substituir no Brasil republicano os antigos
títulos de nobreza, mudava-se o instrumento, não o pensamento, muito menos
antigos paradigmas. Aliás, mudanças de
fato, demoram. Basta observarmos alguns dos campeões de votos para as
Assembleias Estadual e Federal. O Brasil, apesar do Carnaval e da exposição de
coxas e afins, é preconceituoso sim, é hipócrita sim e, a grande perversidade,
é que isso se esconde debaixo de uma grossa casca de liberalidade, respeito às
diversidades e cordialidade. Talvez não seja gratuitamente que o abacaxi seja
quase um símbolo do país.
Mas, voltando ao meu prosaico
abacaxi (que nem tão doce estava), compartilho com vocês que a melhor
ferramenta para descascar essa fruta consiste em uma simples faca de pão! Basta não ser teimoso e não ter medo de
experimentar novas possibilidades para manjados objetos, afinal, a roda já foi
criada há muito e a faca de pão também, bem como a sacada do “tio Karl”: “os
homens mudam os modos de produção, mas não abrem mão das suas conquistas
materiais”. Alguém duvida? Então pense se, por exemplo, você voltaria a lavar
suas roupas em uma tábua na beira do rio ou abriria mão do seu vaso sanitário!
E – não duvide – as “variáveis” preconceito, conforto, segurança, pseudos
religiosidade e moral ilibada, poder e autoestima, além de muita grana, giram a
roda do mundo e também das terras tupiniquins, carregadas de abacaxis,
insistentemente, e na maioria das vezes propositalmente, descascados com a
ferramenta errada (ou a mais cara ou conveniente para a ocasião).
Descascar um abacaxi é fácil. O
resto? Quem viver verá!
Pois é, minha cara, amor não enche barriga. É o que costumo dizer. De uma forma ou outra, somos sim, pré-conceituosos e em várias vertentes. É mais dizer que não... para sair bem na foto. Por enquanto, estou vivendo para ver no que dá.
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