TODOS OS BICHOS DE NÊ SANT’ANNA
SOBRE PAIS E FILHOS
Por seis anos, no mês de agosto – no qual se comemora o
dia dos pais, não tive coragem de publicar nessa coluna o texto que escrevi
para meu pai no dia exato de oito meses do seu sepultamento. Fui “salva” por
outros textos, em sua maioria enviados pelos presidiários que participam de
nossos projetos.
Deixei meu texto no caderno, por pura covardia de reviver
minhas dores, e, só esse ano, tomei coragem para compartilhá-lo. Então, pai, a
coluna desse mês é para você, porque pai a gente não esquece, mesmo que os anos
passem. E, sem vergonha alguma, confesso que choro todas as vezes que leio esse
texto, porque me confronto, inevitavelmente, com a saudade, os vários sentidos
da vida e da morte e a dura certeza de não mais ter a sua mão protetora sobre a
minha cabeça.
SAUDADES
DO “VELHO” ABUNA (em um poema e em um insight)
Faz oito
meses,
exatos
oito meses,
que
enterrei meu pai.
Faz oito
meses,
exatos
oito meses,
que
procuro e descubro,
nos
escombros banais,
outro pai
e o mesmo pai.
Faz oito
meses,
exatos
oito meses,
que eu
descobri a finitude da vida,
e os
grandes dramas,
tecidos
na aparente banalidade dos dias.
Faz oito
meses,
exatos
oito meses,
que vi
meu pai num caixão.
Segurei
as lágrimas,
chorei
sozinha,
e tento
desatar e amarrar meus nós.
Insight: SOBRE A VIDA, A MORTE, LAÇOS E TOMATES
Meu pai plantou um pé de tomate, no jardim da casa
de meu irmão, pouco tempo antes de morrer; agora deu frutos. Acho que assim é a
vida. Hoje percebo muitas coisas que ele quis, em vida, nos passar. E, como o
pé de tomate, a seu tempo, frutificaram. Fazemos na vida o que podemos; meu pai
deixou muitas histórias e também muitos gestos de bondade, e eu sei que agora
ele encontrou a paz em Deus. Eu, como todos, estou fazendo na caminhada da vida
o melhor que posso. E muitas vezes, desde a morte de meu pai, me flagro tentando
– nem sempre conseguindo, pôr em prática dois traços de sua personalidade: a
calma e a tranquilidade, que ele traduzia repetindo sempre um velho ditado: “do
couro sai a correia”. 12 de setembro de 2008.
Meu pai e meu filho Gabriel – 1996 |
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