Todos os bichos de Nê
Sant’Anna
DEZEMBRO... EM MÚLTIPLOS OLHARES
1- DOLORES
O mês começara. Mais uma vez era dezembro. Mais uma vez os sinos, a
correria, o sorriso amarelo, a canseira, os enfeites obrigatórios, a roupa
domingueira, o perfume doce desencadeando crises de enxaqueca.
Natal nos trópicos, Natal a 40 graus. Natal, já sem crianças. Natal de
lembranças, constatações e pouquíssimas esperanças no futuro. Ou melhor, esperanças
só no futuro eterno e uma urgência em se aquietar e mergulhar na paz divina,
sem sinos, sem correria, sem cobrança.
2- MARIANA
Finalmente Dezembro! A correria boa correndo feito fogo nas veias. Mil
detalhezinhos a preparar, dezenas de páginas de revistas para folhear. Cada
enfeite diferente, qual escolher? Essa era sempre a parte mais difícil, porém a
que mais adrenalina lhe provocava.
Presentes em muitas sacolas, laços sempre exerceram fascínio sobre ela.
Era uma espécie de presságio: o futuro viria embrulhado para presente e, sem
muito esforço, bastaria desembrulha-lo com cuidado e paixão. Não, ela nunca
duvidaria disso, nem deixaria de fazer planos, muitos planos.
Com um cansaço bom, terminou de pendurar a última bola vermelha na
árvore de natal, tomou distância e sorriu gostando do resultado final. A vida
não podia ficar ruim em dezembro! E o ano novo? Seria radiante, com certeza,
como aquela árvore de natal! E se por acaso não fosse, outro dezembro chegaria.
3- NATÁLIA
Era 24 de dezembro. Ela descia a escadaria da velha igreja em seu
quinquagésimo aniversário. Todos os anos, há vinte e cinco anos, cumpria aquele
ritual. Depois de agradecer a misericórdia de Deus, ela se dirigia a uma
pequena rua comercial, naquela data, sempre apinhada de gente. Era o momento de
comprar o seu presente, um momento só seu e que não podia ser antecipado. Os
presentes dos filhos e do marido já estavam sob a árvore de natal, agora era a
hora de saborear o seu presente, sempre o mesmo há vinte e cinco anos.
Escolheu-o com uma disfarçada lágrima e rapidamente caminhou até sua
casa e já em seu quarto, com a porta trancada, desembrulhou a caixa comprida e
delgada com sofreguidão, como se desconhecesse seu conteúdo.
Retirou a boneca, vestida esse ano de dourado, embalou-a e sentiu seu
cheiro doce mesclado a plástico. Uma calma percorreu seu corpo, a velha
sensação que se repetia a mais de duas décadas. Ela guardou a boneca no armário
e começou a se vestir para a ceia. Ceia farta, sem nenhum resquício da pobreza
extrema que a humilhara por muitos anos.
4- JUSSARA
A roupa branca sobre a cama nem de longe remetia ao seu estado de
espírito. Os pequenos brincos prateados e o anel de pedra azul turquesa,
completariam a produção simples e inegavelmente sofisticada.
Ela era sofisticada. Os cabelos curtos e o porte elegante
transmitiam determinação e refinamento, talvez, até uma pitada discreta, e falsa,
de altivez exacerbada.
Aos poucos, o roupão que a envolvia cai sob seus pés e suas mãos,
ligeiramente trêmulas, apanharam a roupa e começaram a firmar-se. O anel azul
foi o último item a ser colocado em seu corpo.
Ela desce as escadas com um discreto sorriso nos olhos e nos lábios.
Aceita o braço oferecido pelo amigo e apertando discretamente o anel, promete a
si mesma que nenhuma bebida alcoólica passaria por sua garganta, por mais uma
noite, por mais um dia, por mais um ano. Com o canto do olho direito, observa o
presépio natalino e, discretamente, fecha os olhos e pede força e coragem, numa
última prece antes do primeiro estampido dos fogos que saudariam o ano novo.
ÚLTIMO P.S. DO ANO: Caminhos não existem por si próprios, são abertos. E eu sempre abrirei
os meus, não com pás traiçoeiras, mas com ética, paz, paixão, poesia e sim,
boas doses de determinação e... Loucura.
Então... Bom Natal e até março de 2014! Agradeço por mais um ano na
companhia de vocês e peço desculpas por algumas “quase” ausências, muito bem
preenchidas por textos e olhares alheios. Espero que em março, tenha encontrado
a mulher calma e centrada que possa morar em algum canto de mim... Mas, duvido
muito! Então... Que 2014 chegue, com as cores que tiver, e a humanidade
inspire-se em Mandela que – como Gandhi e também os “caboclos” Chico Maria e
Antoninho Maria -, viveu pelos ideais de igualdade, liberdade e paz. Ideias
deixadas pelo Aniversariante do mês. Até lá.
Nê Sant’Anna.
obrigado por tocar na minha alma. bj
ResponderExcluirAguardo novos textos em março. Adoro sua pegada, ás vezes doce, às vezes um soco no estômago, como todos os bons textos. Também amei o Portal da Marambaia. Maria Luísa
ResponderExcluirLarga de preguiça, criatura! Quero mais textos. Rs. Mariângela Godoy
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