Por Geraldo Gilberto Floeter
O que vou falar agora é uma retrospectiva de acontecimentos nos quais tive participação em Iepê, entre os anos 1964 a 1970.
Algumas pessoas que aqui se encontram, por serem muito jovens, poderão agora se inteirar de alguns fatos ocorridos em Iepê, na época a que me refiro. São acontecimentos de mais de 40 anos atrás... Nos velhos e bons tempos...
Meus primeiros contatos com Iepê se deram no ano de 1963. Sou de Quatá, estudava em Rancharia, na Escola de Comércio e na Escola Normal e esporadicamente vinha a Iepê cuidar de interesses do meu pai que na época tinha um ponto de vendas de revistas aqui, na papelaria da Celina.
No final de 1962 eu havia prestado concurso para o IBGE e quando fui chamado, em 1964, escolhi Iepê por ser a cidade mais próxima de Quatá, que estava vaga.
Foi assim que assumi o cargo de Chefe da Agência de Estatística do IBGE, em Iepê, em 18 de março de 1964.
Confesso que ao chegar para ficar, não tive uma boa impressão da cidade. As lâmpadas da Rua São Paulo quando acesas pareciam tomates. O asfalto só existia praticamente na Rua São Paulo. Começava na entrada de Iepê, ia até a Casa Brasil, dos irmãos Manarim e subia um quarteirão na Rua Minas Gerais, até a Casa Paulista, dos irmãos Battilani.
Nos dias de chuva, andar por Iepê era uma aventura. No meio do barro vermelho o que me salvava era meu par de galochas.
Fui me hospedar no Hotel Central, do seu Antonio e seu inseparável chapéu marrom. O desconforto era total. O banheiro era uma casinha do lado de fora. Nos dias frios ou de chuva era uma dificuldade, sem contar que os transeuntes viam a gente sair enrolado na toalha.
As refeições eram no bar do Oscar, na antiga Rodoviária. Muitos aqui devem se lembrar que o sanitário ficava no alto de um barranco. Se não era fácil chegar lá, para descer, então? Nos dias chuvosos se levava no mínimo uns bons escorregões. Me lembro de ter caído sentado no barro numa dessas peripécias.
Se Iepê não era um modelo de cidade, as pessoas que aqui encontrei seriam inesquecíveis.
O Oscar Antunes conheci em Rancharia, era meu colega de classe na Escola de Comércio. Ele foi minha referência ao chegar em Iepê.
Como Agente de Estatística do IBGE, logo fui recebido pelo então prefeito Edmundo de Oliveira e no mesmo dia conheci o Dito Moraes, grande figura, secretário da prefeitura. Nos demos muito bem desde o início e tanto ele quanto o prefeito me deram todo apoio necessário.
A primeira Agência foi instalada nos fundos do Cartório do Tuta e do Baslute. Os móveis, que andavam dispersos, foram resgatados e comecei meu trabalho. Um ano depois a Agência foi transferida para um ótimo prédio, na Rua Sergipe, onde hoje funciona o Destacamento da Polícia Militar.
Com o passar do tempo fui fazendo amizades. Gostava muito de freqüentar o bar do Decinho, Miro e Leo, e degustar os bons sanduíches de bife na chapa, além dos bate - papos. E por falar em bate-papos, uma das coisas que eu mais gostava era de conversar com algumas pessoas fantásticas, formadoras de opinião, em Iepê. Eram elas: Quinzinho Maria, Dr. Moacir, Cida Sacco, Jorge Dower, Da. Maria do Correio, pessoal da Capi (Roberto Simões, Nélson Hain, Rubens de Barros, Zequinha Sereza, Zé Ramos), Leandro Battilani, Menocci, Pastor Josias, Nilo Dower, Jarbas, Osvaldinho Pires, Herval e Arlindo Barbosa. Tinha os papos com os professores do Ginásio, hoje Colégio Estadual Antonio de Almeida Prado e da Escola Normal: Prof. Lomba, o meu compadre Júlio Ricci, as professoras Terezinha do Dr. Moacir, Zênia, Ildinha, Jurema, Emiliana e a Marilena Castilho. O Edmundo e o Dito Moraes também eram muito bons de prosa.
Assim que terminei a Escola Normal em Rancharia, fui dar aula na Água da Figueira, na propriedade do seu Luiz Merlim. Eu ia de bicicleta, vida dura. Logo depois comecei dar aula no Ginásio e na Escola Normal, mas o que eu curtia mesmo eram as aulas de Educação Física. Alguns alunos “fominhas” como a gente dizia, iam me acordar às 5:30 da manhã, batendo bola na calçada. Não tinha jeito, tinha que pular da cama mesmo. Alguns desses alunos eram: Jurandir Zanoni, Bila, Fayad, Claudiney, Ban, Dito do Pedroca, irmãos Taveira, Lucas, Rolim, Dionísio, Jorginho Zago e Adiel.
A sapataria do Trindade e do Batista era uma verdadeira lagoa. Lá se juntava a “saparia”. Tinha o Édson, vinha o pessoal do Brasul, Pernambucanas, Riachuelo, e outros. Vinha também gente de longe, como o seu Walter Ferreira. Todos querendo “trocar figurinhas” sobre política, mas sobretudo esportes.
Todos os freqüentadores da “lagoa” e mais alguns rapazes que estavam chegando à cidade, em função de seus cargos públicos, amantes de esportes, começaram reclamar a falta de uma quadra.
Assim foi brotando a idéia que aos poucos tomou corpo com a animação de todos. E onde seria a quadra? Onde acharíamos um terreno? Surgiu a hipótese de se falar com o prefeito e reivindicar um local. E foi assim que o João Coletor, o Luiz Castilho, eu e alguns outros, fomos recebidos no gabinete e conseguimos o local para a sonhada quadra de esportes.
No dia 16 de julho de 1964 deu-se a nomeação da Comissão Municipal de Esportes de Iepê sendo presidente o João Coletor, vice- presidente o Luiz Castilho e eu tesoureiro. A partir daquele dia colocamos mãos a obra: rifas e bailes, para angariar fundos, procura de planta (que viria de Quatá), troca de novas idéias, ajuda de todos os componentes da Comissão, só para citar alguns: Trindade, Braz Peres, Alziro Moreira, Zequinha Sereza, Anísio Salustiano, Tico Garbosa, Laércio, Jorge Cury e Geraldo Manarim. E a construção demorou 14 meses.
Finalmente, em 07 de setembro de 1965 foi inaugurada a Quadra Municipal de Esportes, com a presença do Prefeito e de todas as autoridades de Iepê. Eu já era o presidente, então, e me lembro que meu discurso começava assim: “Em nome da Comissão Municipal de Esportes de Iepê, venho neste momento histórico, agradecer a todos os iepeenses que, direta ou indiretamente, colaboraram para a concretização daquele maravilhoso sonho, hoje transformado em realidade, que é esta quadra”.
O primeiro campeonato de futebol de salão, hoje futsal, chamava-se I Campeonato Iepeense de Futebol de Salão Edmundo de Oliveira e estava marcado para começar no dia 27 de março de 1966, porém uma chuva inesperada adiou os jogos para o dia 31. Os times eram os seguintes: ABC, Brasul, CAPI, Carcará, Caveira, Escola Normal, Polícia Militar e Riachuelo.
O campeonato foi sucesso absoluto de público e o vencedor foi o Carcará.
Em setembro de 1966, formou-se a inesquecível Seleção de Futebol de Salão de Iepê que destacou-se na região da Alta Sorocabana e Norte do Paraná até 1971, com mais de 120 jogos intermunicipais. Quem não se lembra dos técnicos Lomba e Trindade, do massagista Ulisses, o roupeiro Guedinho e os jogadores Tico, Nelsinho, Nenê, Branquinha, Valter, Aparício, Chiquinho, Yio, Roberto Zago, Waldemar, Gentil, Raimundo, Osmar, Cícero,
Teminha e Batata ?
Devo destacar também que no final de 1966 surgiram as primeiras equipes de basquete masculino e feminino sendo o feminino coordenado pela professora Jurema.
Um fato marcante ocorrido na quadra foi a visita do Suingue, jogando por Rancharia, em outubro de 1966. Aconteceram também bailes, desfiles de moda, shows e entre eles se destacou a apresentação da dupla sertaneja
Tonico e Tinoco.
Gostaria de lembrar alguns tipos marcantes que passaram pela história da quadra. Dentre eles Trindade, Anísio, Alziro, Inácio, Bráulio, Celso Alves, Ataliba, Dito Carneiro, Jorge Cury, Adilson, Jurandir Zanoni e alguns assíduos freqüentadores como: Nego Arruda, seu Carmo alfaiate, Belarmino (B 12) e o torcedor mais barulhento, seu Antonio Cearense. Uma imagem que ficou e me emociona ainda hoje é a do seu Eurico cuidando da quadra com tanta satisfação e tanto zelo. Ele era um exemplo de abnegação e quando lhe oferecemos a Medalha de Honra ao Mérito, ficou tão emocionado que quase nos fez chorar junto com ele.
Iepê já não era mais a mesma. A quadra, a criação da Escola Normal, a chegada da energia elétrica, televisão e telefone causaram mudanças no comportamento social, esportivo e cultural dos iepeenses.
Acho que várias pessoas aqui presentes participaram de uma ou duas excursões para o Rio de Janeiro, comandadas pelo seu Clóvis, diretor do Ginásio. Foram acontecimentos importantes para alunos e professores porque na época não era tão fácil viajar. Ficávamos alojados na Casa do Estudante, perto dos Arcos da Lapa. A gente tomava o trem da Sorocabana em Rancharia, ia até São Paulo e de lá pegava o da Central do Brasil até o Rio. Era muito animado e lá a gente andava a vontade, sem preocupação, pelo calçadão de Copacabana, Pão de Açúcar, Corcovado à noite, coisa impensável nos dias atuais.
Em Iepê, naquela época, havia o também velho, feio e bom pavilhão. A gente se divertiu bastante lá, especialmente na época áurea dos BAMBAS. Eles causaram sensação, animaram a vida noturna da cidade. Ah, e tinha os elegantes bailes de formatura com orquestras famosas da região.
Outros acontecimentos importantes no meio estudantil foram os debates que aconteceram no Educandário. Eram debates literários entre alunos da Escola Normal. Formavam-se duas equipes, uma para defender e outra para acusar. O primeiro foi sobre o livro “Marília de Dirceu”, de Tomás Antonio Gonzaga e os participantes foram: Arlindo, Selma, Maura, Eduardo Damasceno, Baslute, Valda, Josinete e Dálter.
O segundo debate foi sobre Rui Barbosa, baseado no livro “Um Piolho na Asa do Águia”. de R. Magalhães Jr. Os participantes foram: Zé Carlos Nunes, Zequinha Sereza, Chiquinho, Aridalton, Natanael, João Vieira, Celso Alves e o Paloti.
E quem não se lembra da reabertura do Cine Iepê, de Domingos Battilani e Odilon Taveira. Prédio de madeira, tinha uns janelões que não ajudavam muito nas noites de calor. Nos dias de chuva, tínhamos as goteiras. Mas, como era bom.
Eu fazia o programa mensal dos filmes com um pequeno comentário sobre cada um. Os impressos eram distribuídos na entrada do cinema pelo porteiro.
Cheguei a fazer uma palestra sobre a “História do Cinema”, no Cine Iepê, em maio de 1967. Foi para alunos e professores do Ginásio e Escola Normal, fazia parte de um círculo de palestras organizado pelo então diretor Romeu Belon Fernandes. O Belon, como era conhecido, foi uma figura marcante no meio estudantil e político.
Como deixar de falar do Bar do Armando, das deliciosas pizzas que só ele fazia. Dependendo do humor do "chef", comia-se muito bem lá. Quando ele experimentava pratos novos, especialmente os doces, oferecia como cortesia, com o maior prazer. Lá também sempre tinha novidades eletrônicas. A primeira televisão de Iepê foi do Armando. Seu bar era uma referência na cidade.
No mês de junho aconteciam as quermesses com as barraquinhas de doces, frango cheio no barracão e o leilão do Sampaio. A fogueira, as músicas no alto falante tocando Carcará, e também músicas românticas de Ray Conniff, que os rapazes ofereciam para suas namoradas, e claro, tinha também o Correio Elegante. A molecada ficava correndo, brincando de pique.
Por falar em quermesses, tenho que falar do Padre Paulo que além de ter feito coisas muito importantes em Iepê, como a Gruta e o Educandário São João Batista, teve uma importância muito especial na minha vida. Em Quatá, em 25 de setembro de 1941, ele celebrou o casamento dos meus pais. Em novembro de 1942 me batizou. Em Iepê, em 1966, celebrou as Bodas de Prata dos meus pais, que vieram para cá especialmente. Em 1968 ele celebrou meu casamento e em 1969 batizou meu filho, Sérgio. Foi uma criatura fantástica, o Padre Paulo.
Aqui a gente jogava na quadra, ia ao cinema, dançava no pavilhão, mas tinha que dar duro também. Além de trabalhar na Agência do IBGE, dar aulas no Ginásio e na Escola Normal, ainda tinha a Faculdade de Direito à noite, em Presidente Prudente. Íamos toda noite na Kombi do Auteliano, depois no Aero Willys do Arlindo Barbosa. Na turminha tinha o Oscar, o Baslute, o Arlindo, o Alberto Taveira , o Orides e eu. Saíamos por volta das 18h00 e voltávamos meia noite ou mais. Nas viagens discutíamos os assuntos do momento.
Iepê mudou minha vida em vários aspectos. Conheci aqui pessoas maravilhosas, entre elas, SALETE, aquela que viria a ser minha esposa, mãe dos meus filhos. Nos casamos em 1968 e em 1970 mudamos para Brasília/DF, onde assumi o cargo de Chefe da Unidade do IBGE no Distrito Federal.
Guardo com carinho os anos "bem vividos" em Iepê, cidade pequena, mas de pessoas inesquecíveis que me marcaram para sempre.
Geraldo Gilberto Floeter (e-mail: floeter.vix@terra.com.br)
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