segunda-feira, 9 de março de 2015

MÚLTIPLOS OLHARES


Todos os bichos de Nê Sant’Anna


Este mês compartilho com vocês uma crônica que escrevi em janeiro, inspirada em fatos que me “caíram no colo” em outubro do ano passado.




COMO DESCASCAR UM ABACAXI

Domingo do segundo turno das eleições de 2014: Meu filho e a namorada olham para os abacaxis maduros na fruteira com cobiça. Sugiro que descasquem o maior. Eles dão mil desculpas. Eu abro uma gaveta e, munida da ferramenta ideal, descasco o abacaxi em, no máximo, três minutos. Os dois se espantam e eu explico: “aprendi a técnica em uma crônica do Paulo Mendes Campos”.
Deixo o abacaxi, nu e fatiado, exposto em uma travessa e observo o Brasil se desnudando através dos noticiários e das redes sociais. Todas as contradições e preconceitos viscerais e seculares estão expostos e condimentados pelo clima de fim de campeonato que acompanha as eleições. Minha avó Maria repetia um ditado popular “quando a miséria bate à porta, o amor pula a janela”! Nada mais pertinente; em épocas de crises ou mudanças, faz parte do ser humano procurar culpados, eleger heróis ou bodes expiatórios, foi assim em centenas de momentos históricos, como a perseguição aos judeus pela Alemanha Nazista, só para citar um exemplo.
Portanto, não estranhei nem um pouco as enormes discussões, de ambos os lados, carregadas de preconceito e aquele velho ódio que não ultrapassa a primeira rodada de barganhas “para o bem do Brasil”. Lembrei-me de uma frase astuta de Lima Barreto, na qual ele pondera que o diploma universitário veio substituir no Brasil republicano os antigos títulos de nobreza, mudava-se o instrumento, não o pensamento, muito menos antigos paradigmas.  Aliás, mudanças de fato, demoram. Basta observarmos alguns dos campeões de votos para as Assembleias Estadual e Federal. O Brasil, apesar do Carnaval e da exposição de coxas e afins, é preconceituoso sim, é hipócrita sim e, a grande perversidade, é que isso se esconde debaixo de uma grossa casca de liberalidade, respeito às diversidades e cordialidade. Talvez não seja gratuitamente que o abacaxi seja quase um símbolo do país.
Mas, voltando ao meu prosaico abacaxi (que nem tão doce estava), compartilho com vocês que a melhor ferramenta para descascar essa fruta consiste em uma simples faca de pão!  Basta não ser teimoso e não ter medo de experimentar novas possibilidades para manjados objetos, afinal, a roda já foi criada há muito e a faca de pão também, bem como a sacada do “tio Karl”: “os homens mudam os modos de produção, mas não abrem mão das suas conquistas materiais”. Alguém duvida? Então pense se, por exemplo, você voltaria a lavar suas roupas em uma tábua na beira do rio ou abriria mão do seu vaso sanitário! E – não duvide – as “variáveis” preconceito, conforto, segurança, pseudos religiosidade e moral ilibada, poder e autoestima, além de muita grana, giram a roda do mundo e também das terras tupiniquins, carregadas de abacaxis, insistentemente, e na maioria das vezes propositalmente, descascados com a ferramenta errada (ou a mais cara ou conveniente para a ocasião).

Descascar um abacaxi é fácil. O resto? Quem viver verá!


Um comentário:

  1. Pois é, minha cara, amor não enche barriga. É o que costumo dizer. De uma forma ou outra, somos sim, pré-conceituosos e em várias vertentes. É mais dizer que não... para sair bem na foto. Por enquanto, estou vivendo para ver no que dá.

    ResponderExcluir