terça-feira, 10 de dezembro de 2013

MÚLTIPLOS OLHARES


Todos os bichos de Nê Sant’Anna


DEZEMBRO... EM MÚLTIPLOS OLHARES

1-      DOLORES

O mês começara. Mais uma vez era dezembro. Mais uma vez os sinos, a correria, o sorriso amarelo, a canseira, os enfeites obrigatórios, a roupa domingueira, o perfume doce desencadeando crises de enxaqueca.
Natal nos trópicos, Natal a 40 graus. Natal, já sem crianças. Natal de lembranças, constatações e pouquíssimas esperanças no futuro. Ou melhor, esperanças só no futuro eterno e uma urgência em se aquietar e mergulhar na paz divina, sem sinos, sem correria, sem cobrança.


2-      MARIANA

Finalmente Dezembro! A correria boa correndo feito fogo nas veias. Mil detalhezinhos a preparar, dezenas de páginas de revistas para folhear. Cada enfeite diferente, qual escolher? Essa era sempre a parte mais difícil, porém a que mais adrenalina lhe provocava.
Presentes em muitas sacolas, laços sempre exerceram fascínio sobre ela. Era uma espécie de presságio: o futuro viria embrulhado para presente e, sem muito esforço, bastaria desembrulha-lo com cuidado e paixão. Não, ela nunca duvidaria disso, nem deixaria de fazer planos, muitos planos.
Com um cansaço bom, terminou de pendurar a última bola vermelha na árvore de natal, tomou distância e sorriu gostando do resultado final. A vida não podia ficar ruim em dezembro! E o ano novo? Seria radiante, com certeza, como aquela árvore de natal! E se por acaso não fosse, outro dezembro chegaria.


3-      NATÁLIA

Era 24 de dezembro. Ela descia a escadaria da velha igreja em seu quinquagésimo aniversário. Todos os anos, há vinte e cinco anos, cumpria aquele ritual. Depois de agradecer a misericórdia de Deus, ela se dirigia a uma pequena rua comercial, naquela data, sempre apinhada de gente. Era o momento de comprar o seu presente, um momento só seu e que não podia ser antecipado. Os presentes dos filhos e do marido já estavam sob a árvore de natal, agora era a hora de saborear o seu presente, sempre o mesmo há vinte e cinco anos.
Escolheu-o com uma disfarçada lágrima e rapidamente caminhou até sua casa e já em seu quarto, com a porta trancada, desembrulhou a caixa comprida e delgada com sofreguidão, como se desconhecesse seu conteúdo.
Retirou a boneca, vestida esse ano de dourado, embalou-a e sentiu seu cheiro doce mesclado a plástico. Uma calma percorreu seu corpo, a velha sensação que se repetia a mais de duas décadas. Ela guardou a boneca no armário e começou a se vestir para a ceia. Ceia farta, sem nenhum resquício da pobreza extrema que a humilhara por muitos anos.


4-      JUSSARA

A roupa branca sobre a cama nem de longe remetia ao seu estado de espírito. Os pequenos brincos prateados e o anel de pedra azul turquesa, completariam a produção simples e inegavelmente sofisticada.
Ela era sofisticada.   Os cabelos curtos e o porte elegante transmitiam determinação e refinamento, talvez, até uma pitada discreta, e falsa, de altivez exacerbada.
Aos poucos, o roupão que a envolvia cai sob seus pés e suas mãos, ligeiramente trêmulas, apanharam a roupa e começaram a firmar-se. O anel azul foi o último item a ser colocado em seu corpo.
Ela desce as escadas com um discreto sorriso nos olhos e nos lábios. Aceita o braço oferecido pelo amigo e apertando discretamente o anel, promete a si mesma que nenhuma bebida alcoólica passaria por sua garganta, por mais uma noite, por mais um dia, por mais um ano. Com o canto do olho direito, observa o presépio natalino e, discretamente, fecha os olhos e pede força e coragem, numa última prece antes do primeiro estampido dos fogos que saudariam o ano novo.


ÚLTIMO P.S. DO ANO: Caminhos não existem por si próprios, são abertos. E eu sempre abrirei os meus, não com pás traiçoeiras, mas com ética, paz, paixão, poesia e sim, boas doses de determinação e... Loucura.
Então... Bom Natal e até março de 2014! Agradeço por mais um ano na companhia de vocês e peço desculpas por algumas “quase” ausências, muito bem preenchidas por textos e olhares alheios. Espero que em março, tenha encontrado a mulher calma e centrada que possa morar em algum canto de mim... Mas, duvido muito! Então... Que 2014 chegue, com as cores que tiver, e a humanidade inspire-se em Mandela que – como Gandhi e também os “caboclos” Chico Maria e Antoninho Maria -, viveu pelos ideais de igualdade, liberdade e paz. Ideias deixadas pelo Aniversariante do mês. Até lá.
Nê Sant’Anna.


3 comentários:

  1. obrigado por tocar na minha alma. bj

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  2. Aguardo novos textos em março. Adoro sua pegada, ás vezes doce, às vezes um soco no estômago, como todos os bons textos. Também amei o Portal da Marambaia. Maria Luísa

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  3. Larga de preguiça, criatura! Quero mais textos. Rs. Mariângela Godoy

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