terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Múltiplos Olhares

 TODOS OS BICHOS DE NÊ SANT’ANNA


INSIGHT 1: SEU VALTER. Passamos juntos alguns Natais. Seu Valter era dessas pessoas raras, educadíssimo, perfeccionista e... guloso. Pra ser sincera, nós dois éramos. Enquanto todos os outros convidados para a Ceia de Natal contentavam-se com porções delicadas de doces, eu e seu Valter consumíamos porções industriais. Nesses Natais encontrei minha “alma gêmea” no quesito açúcar; seu Valter confessou-me que também gostava de sobremesas que “ardiam” na garganta. Tal como eu, nada o agradava mais em festas que uma “overdose” de sorvetes, bolos, tortas, chocolates e panetones. Lembro-me dele fatiando com maestria um Tender e depois de arrumar as fatias (absolutamente da mesma espessura) na travessa, guarnecê-las artisticamente com abacaxi (também milimetricamente fatiado) e outras frutas.
Apesar do “vício” em açúcar, seu Valter era magro e dinâmico; aos oitenta e tantos anos andava de bicicleta pelas ruas de sua cidade e não economizava energia e simpatia quando nos recebia para o Natal. Ele me lembrava meu avô Elídio nas cores européias e nos modos cavalheirescos. Meu avô, entretanto, não tinha a “coragem” de se entregar aos prazeres de uma enorme sobremesa, consumia asceticamente pratos festivos e vivia praticamente à base de sopa e pão adormecido que ele guardava embrulhado num guardanapo em uma gaveta do seu guarda-roupa. Até hoje me lembro do cheiro desse pão e como o sangue corre nas veias, confesso que não gosto de pão fresco, gosto mesmo é de pão “dormido”.
Meu avô “arranhava” o idioma alemão, seu Valter o falava com fluência e me levava a uma viagem de retorno à infância. Seu Valter e meu avô foram pessoas felizes porque eram habitados por uma essência generosa, ética, amorosa e produtiva e ocuparam-se, cada um a seu modo, de construir uma história de vida moldada nessa essência. Ambos me deixaram doces lembranças, as de vô Lídio são metafóricas e as de seu Valter literais.

INSIGHT 2: “Temos certeza que somos adultos quando a responsabilidade de providenciar os funerais é nossa”.

INSIGHT 3: “As pessoas não habitadas por um mínimo percentual de coisas boas, desperdiçam suas vidas empenhando-se em contestar a competência e o sucesso alheios e secam consumidas na própria inveja, baixa-estima e mediocridade”.



PÍLULAS DE POESIA

Eu canto
Porque o instante existe
E a minha vida está completa
Não sou alegre nem sou triste:
Sou poeta.

Fragmento do poema Motivo de Cecília Meirelles

5 comentários:

  1. LINDO TEXTO NE, CRIATIVA COMO SEMPRE...FAZ-ME RETORNAR AO TEMPO...BJ AMIGOS!

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  2. Doce pensamento!!! Já diria Chico Buarque: "Com açúcar, com afeto, fiz seu doce predileto." Beijos, Nê!

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  3. Deixando nos cada vez mais apaixonados pela leitura.

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  4. perfeito, nos minimos detalhes, mas uma incrivel maestria em nos fazer viver ou reviver momentos unicos em nossas vidas. bjo, amo vc

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