TODOS OS BICHOS DE NÊ
SANT’ANNA
DEZEMBRO DE 2017
É Dezembro. Mais uma vez escrevo esta coluna Natalina!
Mais uma vez conjugo o “verbo Esperançar”, desejo PAZ e um ANO NOVO melhor.
Mais uma vez reflito sobre o nosso tempo em um poema...
Comecei esta coluna em 2011 e nela compartilhei
sentimento, reflexões e textos de novos autores.
A partir de 2018 meus textos e os textos de novos autores
serão publicados no Facebook, nas páginas Livro Nas Nuvens e Sociedade Amigos
da Cultura de Iepê.
Compartilho nesta última coluna um livro digital, dois
poemas e dois contos; agradeço a todos que a seguiram nesses anos e espero que
continuem a acompanha-la em novo formato no Facebook.
Feliz Natal e um 2018 repleto de Esperança!
JERUSALÉM
Jerusalém,
Que bem ao mundo faria
Se suas ruas não reivindicassem.
Se em canteiros, que todos compartilhassem,
se transformassem.
Jerusalém,
Que lindo seria
Se você pudesse, nesse século,
Espalhar Esperança
Acolhendo em suas ruas
Uma cidade para toda humanidade.
Jerusalém,
Que lindo seria
Se seu solo fosse
Terra de todos,
Posse de ninguém.
Grandes canteiros
Em que a Cultura de Paz florescesse
E novos jardins semeassem.
Jerusalém,
Que lindo seria
Se símbolo da Paz a tornassem.
Jerusalém,
Desenho de jardim assim
Brotando em suas ruas
Podem até chamar de utopia
Mas que seria lindo, seria...
ENTÃO É NATAL...
Ele não nasceu
Em vestes de rei
De simplicidade e amor
Nasceu revestido,
Humilde menino.
Menino Jesus,
Desse mundo
Nunca foi o Seu Reino.
A ATRIZ
Inesperadamente
a reencontrei no luxuoso banheiro feminino do restaurante. Fazia tempo ela não
era convidada para grandes eventos.
O
impactante banheiro era recoberto de espelhos, mármore, ornamentos dourados, e,
luzes em profusão denunciavam o cuidado extremo com a limpeza do local.
Procurei, em vão, algum resquício de mofo nos rejuntes das peças: tudo tão
impecável, resistindo há décadas de construção.
Sem nenhuma
necessidade, antes de encará-la naquele ambiente desconhecido, permaneci quase
meia hora fechada em uma das cabines, obstinadamente tentando juntar coragem e
encontrar alguma sujeira nos metais e no vaso sanitário branquíssimo.
Frustrada,
me dirigi ao lavatório e percebi que estávamos sozinhas. Reparei, com prazer,
que uma das lâmpadas ao redor do espelho onde ela retocava a maquiagem estava
queimada e também nos traços daquele rosto, ainda interessantes. A atriz que
havia lavado as mãos – sem manchas visíveis –, com movimentos elegantes e
ajeitado os cabelos, começava a retocar o batom quando a discreta encarregada
de manter o banheiro impecável substituiu a lâmpada.
A
iluminação tem o poder de ressaltar e camuflar, brinca de esconde-esconde tanto
nos palcos como ao longo da vida, à medida que os olhos vão percebendo menos
detalhes e necessitando, cada dia mais, do artifício de luzes e lentes.
Enquanto
a atriz terminava de retocar os lábios, todas as linhas que os marcavam
pareciam gritar através daquele espelho fortemente iluminado. Enraivecida,
observei seus olhos. O azul estava opaco, em uma tonalidade semelhante a do
empoeirado vaso de murano esquecido ao lado de troféus e porta-retratos de
familiares e amigos na estante do escritório. Não suportei mais a cena e sorri
benevolente para ela.
Assim
que me virei para retornar ao salão do restaurante – felizmente à meia luz –, o
espelho do luxuoso e petrificado banheiro não teve mais o sarcástico gosto de
refletir, sem o conforto de certa penumbra, a imagem da atriz que ainda mora em
mim.
SEM GÊNERO
Fui
criança sem afetos. Olhos estrábicos, muita banha, poucos amigos. Aprendi a
barganhar muito cedo, ou melhor, compreendi que se quisesse alguma atenção
teria de pagar por ela. A moeda podia ser pequenos favores, um ombro sempre
pronto a acolher a dor alheia ou dinheiro mesmo, transformado em lanches,
sorvetes, revistas em quadrinhos... Em casa valia o mesmo esquema; os braços de
minha mãe ensaiaram, mas nunca, espontaneamente de fato, me aqueceram como
acontecia com os outros irmãos. Eu me contentava com poucos abraços e sempre
pagava por eles. As professoras nunca entenderam o motivo de meu choro com as
ilustrações tão banais estampadas nos livros didáticos. Eu simplesmente molhava
as páginas ao observar as gravuras de mães enternecidas afagando seus rebentos,
ou crianças brincando sob alguma árvore.
A
sensação que essas ilustrações provocavam! Arrepios tão bons, de uma felicidade
tão plena! E tão simples, e tão corriqueira, como se o ato de nascer já
trouxesse certos direitos. Mas não trazia. Para alguns talvez, nunca para mim.
De algum modo eu tinha que pagar. Por muitas décadas pensei ter encontrado a
fórmula existencial perfeita e, ironicamente, a batizei de mais-valia emocional.
Um
centímetro de prazer é a medida para não enlouquecer ou matar. Comprei os meus;
na adolescência vieram embalados em papelotes, garrafas, revistas pornográficas
e viagens patrocinadas por mim à turma do colégio, que sempre dava um jeito de
me excluir dos programas e gentilmente cortar minhas falas nas conversas.
Aprendi e, na vida adulta, comecei a investir melhor. Obtive metros de prazer
em sutis manipulações, inclusive recebendo prêmios de instituições dos mais
variados segmentos. Mas nunca me iludi. Saía do meu bolso o metal barato de
alguns troféus de gosto duvidoso, bem como as grossas alianças de ouro 24
quilates quando resolvi me casar. A mão que a recebeu ensaiou, mas nunca,
espontaneamente, me aqueceu.
Já
dominava o jogo e por algum tempo o banquei, utilizando as moedas de barganha
que tanto conhecia. Não sei precisar quando tudo perdeu a graça e se
transformou num pesadelo. A traição já esperava, mas não abriria mão do meu
centímetro de prazer. Desde a adolescência abracei a regra de nunca pagar duas
vezes pelo mesmo fragmento de prazer e, naquele momento, até o cotidiano estava
sufocante. Não partilharia bem nenhum; quem jogava era eu, quem dava os lances
era eu, esse gozo ninguém roubaria.
O
assassinato perfeito me restituiria até a grossa aliança de ouro 24 quilates!
Poderia planejá-lo de tal forma que ninguém sequer vislumbrasse a ocorrência de
um crime. Por meses continuei a pagar pelo prazer que aquele planejamento me
proporcionava. Nenhum incômodo conseguia me tirar daquele estado eufórico.
Olhava as pessoas: reis, rainhas, cavalos, peões... E gozava intimamente. Então
percebi que o investimento já se pagara e, em vez de assassinato, recorri a um
vantajoso divórcio, recobrando até as alianças, que guardei classificando-as
como mais uma categoria em minha vasta coleção de troféus.
Meus
centímetros de prazer estavam ficando mais difíceis de conseguir. A aprovação
das pessoas já não produzia mais efeito algum. Os abraços que tanto persegui,
ultimamente enjoavam. Resolvi não pagar por nada mais e não posso negar que a
frustração mal disfarçada nos olhos dos pequenos chupins me proporcionou metros
de prazer.
Só
continuei patrocinando minha mãe a uma distância protocolar, regra estabelecida
desde a adolescência. Em sua última hora ela me chamou. Não tive escolha. Mal
encostava ao lado de sua cama ela me puxou e me envolveu em seus braços. Acho
que congelei e ela, me apertando mais, sussurrou: “você, desde criança, sempre
fugindo de mim... Perdoe se eu não insisti”. Eu não disse nada, devolvi seu
abraço, ela sorriu e mergulhou no tal abismo desconhecido que chamamos de
morte.
Não
paguei nem participei do velório. Há dois dias caminho. Não persigo prazer, não
planejo. Simplesmente caminho. Dois versículos ecoam em minha cabeça: “... E a
graça de Deus se há manifestado...”, “... o dom gratuito de Deus é a vida
eterna”...
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